O pH do oceano: um problema no argumento dos céticos do aquecimento global.



Há um grupo autointitulado os “céticos” do aquecimento global, formado por pesquisadores e leigos ao redor do mundo que defendem a hipótese de que não há evidências científicas da contribuição humana no aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera. Este grupo usa vários argumentos, desde erros nas medições até manipulação intencional dos dados por parte do PAINEL INTERGOVERNAMENTAL SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS (o ‘IPCC’) para apoiar a ideia da ausência da contribuição antropogênica na mudança climática atual.

O debate sobre este tema sempre fica excessivamente polarizado e carregado de opiniões apaixonadas entre aqueles que defendem a hipótese da ausência da contribuição humana e aqueles que a contestam. Sem tocar nas diversas forças políticas envolvidas na discussão, gostaria de me ater aqui a um ponto importante e ignorado no debate: o equilíbrio químico entre o dióxido de carbono atmosférico e o ácido carbônico dissolvido nos oceanos.

Quando o CO2 é dissolvido em água, ele forma uma espécie química chamada ‘ácido carbônico’. Este ácido fraco é capaz de reduzir levemente o pH da água. Depois de certo tempo, a concentração de CO2 no ar e do ácido carbônico na água permanece constante atingindo o chamado equilíbrio químico.



Quando se aquece uma amostra de água contendo ácido carbônico, o ácido decompõe liberando CO2 no ar e água no meio. Algo semelhante ocorre com um recipiente aberto contendo refrigerante deixado em repouso em ambiente aberto por muito tempo: ele fica menos ácido e com o sabor “aguado” devido à diluição oriunda da liberação da água.

Segundo os céticos do aquecimento global, o aumento de temperatura é natural e decorre da atividade solar. Sob o efeito deste aquecimento, os oceanos estariam liberando o CO2 na atmosfera (semelhante ao recipiente contendo refrigerante...) causando o aumento na concentração atmosférica deste gás. Assim, os oceanos e não a queima de combustíveis fosseis seriam os verdadeiros responsáveis pelo aumento na concentração de CO2 na atmosfera. O problema com esta hipótese é o pH do oceano. Durante o século XX, o pH médio dos oceanos caiu de 8,2 para 8,1. Pode parecer pouco, mas considerando o enorme volume de água envolvido, até mesmo uma mudança de 0,1 no valor de pH significa milhões de toneladas de CO2 dissolvido a mais na água oceânica. E aí reside o problema: se o oceano estivesse liberando CO2 ele ficaria mais alcalino e não mais ácido. A lei química chamada de princípio de Le Chatêlier demonstra que quando um equilíbrio é perturbado ele se altera de forma a compensar a alteração imposta. Logo, a liberação de CO2 implicaria no deslocamento do equilíbrio no sentido de reduzir a concentração de ácido carbônico e tornaria o oceano mais alcalino. Não é coerente afirmar que os oceanos ficam simultaneamente ácidos liberando o ácido carbônico dissolvido. Há menos que exista alguma outra espécie química responsável pela acidificação oceânica, o modelo defendido pelos céticos não se sustenta: o oceano não pode ser a fonte do CO2 atmosférico e estar acidificando ao mesmo tempo.

É importante ser cauteloso no uso de argumentos contra o modelo aceito de contribuição humana no aquecimento global, pois no afã de se contestar a proposta aceita há sempre perigo de se ignorar conceitos científicos relevantes neste estudo.

Dr. Adão Monte é professor de química nos cursos de Engenharia Civil e Elétrica da UFT. 

 

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