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A divulgação científica e a pseudociência


Há um consenso entre os pesquisadores sobre a necessidade de se promover uma maior divulgação da ciência. O problema é como realizar esta tarefa sem produzir as aberrações típicas da pseudociência. Como divulgar ao publico leigo os resultados das pesquisas de forma simples e exata, sem incorrer em erros ou induzir confusões.

As últimas notícias e debates sobre temas científicos tem provado ser esta tarefa bem mais árdua do que o que se acreditava inicialmente. Talvez fosse necessário deixar claro ao público leigo o que É e o que NÃO É ciência. Há termos tidos como científicos sendo divulgados amplamente (e de forma errada) gerando confusão e produzindo algo que não pode ser chamado corretamente de ciência. Para citar dois exemplos famosos, os termos ‘provas irrefutáveis’ e ‘verdade científica’ vêm sendo amplamente divulgados como algo associado à pesquisa científica quando, de fato, são termos criados popularmente.

Pode parecer estanho para o público leigo, mas na ciência não existem provas irrefutáveis. No sentido exato do termo, provas só existem na matemática, na lógica e nos tribunais. A ciência trabalha com evidências, indícios, resultados experimentais, observações, etc. Não há nas ciências como a física, a química, a biologia, a geologia ou a astronomia nada verdadeiramente ‘irrefutável’. É possível combater ou defender qualquer ideia desde que isto seja feito pelo método científico. Não existem provas irrefutáveis!

Um exemplo interessante disto aconteceu recentemente na biologia. Alguns biólogos alegaram terem descoberto bactérias notavelmente pequenas, de dimensões nanométricas, chamadas de nanobactérias. Para isso, estes pesquisadores mostraram imagens de microscopia eletrônica de estruturas globulares e filamentosas que se multiplicavam em placas de Petri em laboratório bem como teste de DNA dos supostos micro-organismos. Um pesquisador, entretanto, observou que, da forma como os experimentos eram realizados, as estruturas poderiam ser cristais de fosfato de cálcio se formando e incorporando amostras de DNA do meio de cultura durante o processo. As nanobatérias, segundo este pesquisador, não existiam! Observe que até mesmo um resultado experimental pode ser refutado. Ele não é considerado uma ‘prova irrefutável’. O mesmo ocorre com o termo ‘verdade científica’. A ciência não possui dogmas – (isto é, verdades inquestionáveis). Toda a ciência pode ser questionada, desde que isto seja feito da forma correta. A famosa e respeitada teoria da Relatividade de Einstein vem sendo alvo de questionamentos em alguns de seus pontos. Embora seja uma teoria extremamente exitosa na explicação de diversos fenômenos, ela não é uma ‘verdade científica’, isto é, ela não é um conceito inquestionável (‘uma verdade científica’.)

Também é preciso entender que a ciência possui sempre um ‘erro experimental’, um limite na precisão de seus métodos de investigação. Utilizam-se meios estatísticos para estimar estes erros. Logo, qualquer trabalho experimental terá sempre um ‘erro experimental’ isto é, uma limitação de sua precisão e exatidão. Este erro não invalida o método científico apenas impõe um limite sobre a interpretação de seus resultados.

Quando estes conceitos não são corretamente divulgados, misturas de conceitos científicos com ideias não científicas produzem resultados desastrosos; mais precisamente produzem a pseudociência – uma entidade com aparência de ciência mas baseada em outros princípios. Recentemente, muita pseudociência tem sido divulgada como ciência de fato. Um exemplo disto é a divulgação equivocada de conceitos de genética que produziu uma forma deturpada desta ciência, uma ‘pseudogenética’ que ganhou muita atenção do público em geral e que não pode ser considerada corretamente como ciência. A genética é uma ciência muito complexa com décadas de história. Geneticista hoje sabem inclusive de uma importante contribuição epigenética nos mecanismos associados à hereditariedade o que torna a discussão sobre este tema ainda mais complexa. Modificações bioquímicas no genomo (como a acetilação da histona ou a metilação do DNA) afetam de forma importante a expressão de genes e isso não pode ser desconsiderado em estudos sobre a hereditariedade. Esta nova ciência, a epigenética, oriunda da genética revolucionou e modificou a compreensão dos mecanismos de hereditariedade e não pode ser negligenciada na divulgação científica da genética sob pena de incorrer em conceitos equivocados.

A pesquisa com gêmeos monozigóticos (gêmeos geneticamente idênticos) é um exemplo. Há uma crença popular de que gêmeos monozigóticos precisam ter exatamente as mesmas características. Isso, entretanto, é um erro. Há casos relatados de gêmeos monozigóticos nos quais um desenvolveu leucemia e o outro não. O simples fato de um gene estar presente em ambos os gêmeos não impõe a necessidade de que o mesmo seja expresso nos dois irmãos. O gene pode simplesmente não ser expresso por mecanismos epigenéticos.

O avanço nas pesquisas tem tornado a ciência cada vez mais complexa e mais difícil de ser divulgada corretamente. Mas esta é uma tarefa importante, pois não se pode esquecer que pseudociências no passado foram utilizadas para dar apoio a regimes ditatoriais como ao nazismo e a genocídios - como o extermínio dos ameríndios ao longo dos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. Não podemos repetir o mesmo erro e permitir que, mais uma vez, pessoas sejam hostilizadas com base em conceitos falsos. ( Com informações do Dr. Adão Lincon)

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